Sobre a divisão subjetiva e a fantasia
- Amanda Azevedo
- 27 de jul. de 2023
- 3 min de leitura
Freud formalizou o inconsciente, o recalque, a fantasia e a associação livre. A partir do “recalcado”, ele irá formular o inconsciente enquanto um sistema: perceptivo consciente e inconsciente. E é assim que tem-se o reconhecimento do inconsciente não só como estado, mas como um sistema que está sob o efeito de recalcamento. Dito isso, é possível afirmar que é por uma divisão psíquica que o sujeito continua vivendo.
Dizer de uma divisão psíquica significa dizer que para viver é preciso abrir mão de algumas satisfações, mas isso não é feito de bom grado pelo sujeito. Então este sujeito aceita abrir mão, mas cria uma fantasia, para que continue se satisfazendo, porém psiquicamente. A fantasia é o que faz o sujeito sempre dividido.
Quando eu tinha 10 anos, fazia aulas de teatro e, havia uma dinâmica proposta para atuação em que beatas andavam tranquilamente pela rua, quando de repente, um ladrão aparecia e lhes perguntava: A bolsa ou a vida. Anos depois, já na faculdade de psicologia, me deparo com um texto de Lacan em que ele menciona essa mesma encenação. Com objetivos diferentes, mas uma mesma mensagem: se escolhe a bolsa, perde a bolsa e a vida. Mas se escolhe a vida, continua vivendo, mas sem a bolsa.

E é brilhante essa narrativa, pois mostra que para continuar vivendo, é preciso abrir mão de algumas coisas, é preciso perder, é uma escolha forçada que, bom, não pode ser considerada bem uma escolha. A criança que para de chupar o dedo, obedece por medo da perda do amor daquele que cuida, ou seja, ela abre mão da sua satisfação. Mas ao abrir mão dessa satisfação, isso cria uma “falta” e, bom, se existe falta, consequentemente, surge o desejo.
Desejo, para a psicanálise, é falta. E essa substituição que o sujeito faz, é a fantasia. Assim, é somente a partir da existência da fantasia, que o sujeito irá sonhar, pois o sonho é uma realização de desejo e, o que desejamos, muitas vezes, pode causar conflito, assim é isso que marca essa divisão.
E aí, este sujeito barrado, que é faltoso, fica no plano da consciência, mas na fantasia, é como se ele sonhasse que irá encontrar aquilo de que abriu mão. A fantasia funcionaria, então, como um reservatório, um dispositivo, que manteria a satisfação da qual o sujeito “abriu mão” para que fosse possível entrar na cultura.
O primeiro aspecto presente no fundamento da psicanálise, tanto freudiana, quanto lacaniana é que, para a psicanálise, não há instinto no plano humano, mas pulsão. No ser humano, é a natureza que foi adulterada pela cultura e toda satisfação vai ser inscrita subjetivamente no campo da linguagem. A psicanálise irá se interessar pelas satisfações recalcadas em nome da cultura. Todo conflito neurótico está diretamente relacionado a uma situação na qual o sujeito não consegue tomar uma posição, então recalca. O recalcamento é um dos mecanismos com o qual lidamos com a satisfação, é uma satisfação substitutiva. Existe também outro mecanismo que é a sublimação. A sublimação irá mostrar que podemos nos satisfazer com os objetos da cultura.
A cultura e a linguagem nos antecede e nos subjetiva. O sujeito é efeito de linguagem, por isso Lacan aponta que o inconsciente é estruturado como uma linguagem.
Mas como se dão essas satisfações? Inicialmente, a forma de satisfação é oral. Quando se alimenta o bebê, não se trata ali simplesmente de um objeto da ordem da necessidade. É importante que se tenha o amparo do Outro, pois se não há cuidados particularizados pela função materna (e isso não quer dizer que deva ser a mãe, mas sim alguém que faça essa função, de cuidar), o bebê definha. O leite importa ao passo que é apoiado pelo Outro. É aí que a criança se vincula ao outro e nasce a possibilidade de laço com esse Outro.
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